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Gadamer e a Linguagem: breve relato!!!

QUEM FOI GADAMER?

Hans-Georg Gadamer nasceu em 11 de fevereiro de 1900, em Marburg (Alemanha). Em 1918, começou seus estudos universitários, em 1928 teve seu primeiro posto como professor ainda em Marburg. Ele um dos mais relevantes pensadores no campo da hermenêutica ou arte da interpretação representa para o século XX uma importante corrente do pensamento filosófico e das ciências humanas e sociais.

UMA ABORDAGEM DIALÓGICA DA LINGUAGEM EM GADAMER

Para Gadamer (2000; 2004) à construção da linguagem acontece para o ser humano como processo dialógico, porquanto a linguagem é a forma de acesso ao mundo, bem como permite a construção dos sentidos e significados, todavia, permeado de forma emblemática pela tradição na qual está imerso o sujeito, acabando por determinar condições apriorísticas que fundamentam o diálogo, assim sendo são condicionantes na constituição da linguagem.

Gadamer (2004) estrutura fenomenológica de sua hermenêutica, quando explicita a linguagem como fato imediato das e nas relações. O homem é um ser em relação portanto dever ser compreendido a partir do fenômeno primeiro das relações a linguagem através do diálogo, esta permite a compreensão do ser por ele mesmo por meio de sua pessoalidade na relação com o outro (Gadamer, 2000).

Gadamer (2000) define que o processo de conscientização da realidade se dá na vivência e na sua consequência primeira, a aprendizagem, elucidando as relações experienciadas por uma pessoa, constitui-se em tarefa complexa e difícil, necessária para compreensão da linguagem e da construção do conhecimento. “O verdadeiro acontecer só se torna possível, na medida em que a palavra que chega a nós a partir da tradição, e a que temos de escutar, nos alcança de verdade, e o faz como se falasse a nós e se referisse a nós mesmos.” (Gadamer, 2000, p. 465-466).

A acepção acima explicitada reforça a visão do diálogo como propulsor do desenvolvimento humano, nesta direção Gadamer (2004) pontua que em uma relação dialógica somente é possível ter uma comunicação em que haja compreensão efetiva de signos, significados e significantes com base nas histórias prévias, por conseguinte nos pré-conceitos, este entendimento reforça a compreensão é possibilitada e ao mesmo tempo limitada pela tradição na qual está imersa a pessoa. Conclui Gadamer (2000, p. 272): “A compreensão somente alcança sua verdadeira possibilidade, quando as opiniões prévias, com as quais ela inicia, não são arbitrárias”.

Gadamer (2000, p. 494) reforça que: “Na medida em que compreendemos, estamos incluídos em um acontecer da verdade e quando queremos saber o que temos que crer, parece-nos que chegamos demasiado tarde”. A tradição é o que há de comunalidade significativa entre as pessoas é o fato de viverem e, em vivendo, estarem imersos em uma determinada cultura, esta inevitavelmente promotora de pré-conceitos, e por mais antitéticas que sejam ou possam parecer os desígnios culturais de cada pessoa, convergem como função basilar, tornando os seus elementos conteúdos formadores do subjetivo, este é o papel fundamental da tradição na teoria da linguagem gadameriana.

Charles Dickens (2003, p. 13), exemplifica bem a função da tradição na perspectiva gadameriana quando, ao dizer: “... Quem inventou esta antiga expressão foram os nossos sábios antepassados, e não serei eu quem vai mudá-la, senão, daqui a pouco, tudo estará de perna para o ar”. O autor com esse trecho ilustra a necessidade de um campo semântico comum a determinado meio social que propicie a proximidade necessária para que as pessoas consigam interagir, mostrando como a tradição é fundamental para o processo dialógico, neste sentido a tradição acaba por ser um legado de signos e significados que viabilizam as relações dialógicas (Pinheiro & Meira, 2010).

A função acima explicitada é o que constitui a natureza humana sendo foco de diversos estudos, ver: Gould (1999), Bahktin (2010), Darwin (2002), Pinker (2008) e Vigotski (2000). Porquanto não existe essência interna que nos defina ou diferencia o homem de outras espécies em grau qualitativo. Há na verdade a condição elementar do ser humano em se relacionar com o mundo em meio a relações com o outro, estas sempre indo na direção de se fazer entender através da mediação do outro. (Gadamer, 2004).

Assume-se aqui preconceito não como fator restritivo de um diálogo (Bressolin, 2008; Gadamer, 2004), mas como elemento base para a existência do diálogo, pois só há a apreensão do outro e de mim mesmo, a alteridade, ou seja, é a partir do que se tem em comum mesmo antes que se estabeleça uma relação de contato direta, sendo assim o preconceito é o pilar fundamental das relações constituintes da linguagem.

Gadamer (2002) observa o preconceito não como julgamento, e sim de história de vida pertencente a cada pessoa e que a acompanha em qualquer espaço ou tempo em que esteja, o preconceito na teoria gadameriana diz respeito ao processo de internalização da tradição, sendo este mais uma vantagem desta teoria, ele explicita a dimensão ativa da cognição humana em sua relação com o mundo, pois os preconceitos tendo origem comum na tradição, são constituídos pelo individuo, assim eles as bases comuns para a relação dialógica, todavia também são neles que estão os aspectos idiossincráticos. A dimensão dialógica das relações com o mundo se concretiza em meio ao que cada um já era, e se desenvolve em meio ao que cada um pode vir a ser (Grodin, 1999; Lawn, 2007).

A partir da base aqui evidenciada Gadamer (2000) propõe o axioma: “é a partir do diálogo que nós somos” (p. 401). Ainda na mesma direção, coloca que “porque nós somos conduzidos por aquilo que nos é familiar, porque há acordo, é que nós podemos interessarmo-nos pelo outro, receber o que é estranho e, daí, prolongar e enriquecer a nossa experiência do mundo” (p. 43).

Acerca da dinâmica dialógica Gadamer (2000) é taxativo ao afirmar que qualquer interação tem sua gênese em uma pergunta, pois esta, em suas palavras é, “a estrutura lógica para da abertura” (2000, p. 533). Assim ou autor formula que os processos interativos se estabelecem na dinâmica da pergunta e da resposta, Gadamer (2000, 2004, 2007) deixa claro que pergunta na concepção hermenêutica é o momento de abertura para um diálogo, podendo ser a pergunta até uma afirmação, desde que essa afirmação propicie uma resposta, esta ao possibilitar a continuidade do diálogo também se transmuta em pergunta, porquanto cria uma abertura para outra resposta.

Dentro da dinâmica de pergunta e respostas ocorre o que Gadamer (2004; 2000) definiu como sendo a fusão de horizontes. A fusão de horizontes no processo dialógico significa uma modificação dos horizontes dos interlocutores, resultando numa ampliação que permite então que o espaço para o evento ou tema que anteriormente não poderiam ser montados no entendimento de ambos. A diferença inicial em horizontes dos interlocutores permite a identificação do que um pensa que o outro está distorcendo na sua compreensão do evento ou tema. A possibilidade de uma fusão de horizontes, por sua vez, indica que eles têm evoluído e mudado, ou seja, a fusão de horizontes e o que possibilita o crescimento e o aprendizado (Taylor, 2002).

Gadamer (2000, p. 327) explica que:

O conceito de horizonte deve aqui ser retido porque ele exprime a elevada amplitude de visão que deve ter quem compreende. Adquirir um horizonte significa aprender sempre a ver além do que está próximo, demasiado próximo, não para afastar o olhar, mas para melhor ver, num conjunto mais vasto e em proporções mais justas.

A compreensão de diálogo em Gadamer (2000) passa por uma troca entre o sujeito e o outro, que em verdade é uma negociação entre seus horizontes respectivos. O sucesso dessa negociação é a fusão de horizontes com o surgimento de um campo alargado de significado. Com isso o diálogo com a outro é fundamental no processo contínuo de construção do Self, uma vez que a compreensão do outro requer a modificação da compreensão de si mesmo.

A concepção dialógica de Gadamer permite que se entenda o processo interacional circunscrito em seu próprio movimento e com isso possibilitando uma análise mais acurada e contextualizada acerca de como ocorrem as interações sociais se constituem.

Esta acepção abre um caminho válido para o entendimento proposto nesta dissertação, porquanto, se a linguagem se dá no diálogo, urge a necessidade de estudos que possibilitem o entendimento mais aprofundado de como determinados ambientes e seus instrumentos podem ser mediadores do diálogo, por conseguinte fatores que influenciam a linguagem (Grodin, 1999; Lawn, 2007).

JOGOS DE LINGUAGEM EM GADAMER

O termo jogos de linguagem é mormente conhecido através da obra do segundo Wittgenstein, a abordagem que respalda o presente estudo é a do filósofo alemão Hans Georg Gadamer, que apesar de reconhecer grande afinidade entre sua proposição e a proposta por Wittgenstein na obra Investigações Filosóficas, cabe a ressalva que o conceito de jogos de linguagem em Gadamer não é uma derivação e não possuiu como base os pressupostos de Wittgenstein.

O entendimento de jogo é ponto fulcral para Gadamer (2004; 2000). A estrutura do jogo é percebida por ele dentro de um movimento circular da compreensão e da interpretação. O jogo, em Gadamer (2004), não é um fenômeno hermético e coordenado por normas que o controla, o jogo é constituído em um movimento contínuo de vai e vem no qual se prioriza o interpelar-se/entrar no mesmo.

Gadamer reforça a importância do conceito de jogo dentro do seu entendimento de linguagem quando diz: “Já demonstrei em outro lugar que a forma em que se realiza todo diálogo pode ser descrita a partir do conceito de jogo” (2000, p. 06). O diálogo assim é compreendido como uma dinâmica dentro de um jogo.

Para Gadamer (2000), são os jogos de linguagem que nos permitem chegar à compreensão do mundo na qualidade de aprendizes. O comportamento do jogador não deve ser entendido como um comportamento centrado na subjetividade, uma vez que é o próprio jogo que joga, na medida em que inclui em si os jogadores e se converte no verdadeiro subjectum do movimento lúdico.

Gadamer (2007) já assevera que pensar em linguagem é pensar para além da subjetividade, com essa afirmação fica evidente a preocupação com o entendimento de que linguagem é um fenômeno primordialmente social e que é constituído por meio das interações sociais, ou seja, com isso o autor evidencia mais o caráter dialógico e intersubjetivo da linguagem.

A análise do jogo ou da linguagem é pensada de forma puramente fenomenológica (Gadamer, 2000; 2004), porquanto o jogo não tem sua gênese na consciência daquele que fala, este é um fenômeno subjetivo. O jogo é uma dinâmica de idas e vindas que não se fixa em algo que o termine, ou seja, nas trocas que permeiam as relações sociais. Segundo Gadamer (1999) para a compreensão adequada do jogo, devemos entender o significado primitivo da palavra jogo: movimento de múltiplas formas, mas que se renova em constante repetição.

A experiência com mundo inevitavelmente se dá pela linguagem, pois ela como já explicava Vigotski (2000) a linguagem é o instrumento que viabiliza os processos de interação do sujeito com o mundo. A compreensão das coisas e do mundo ordena-se na continuidade da dinâmica dialógica, também afetando a mudança no mundo e nas coisas (Gadamer, 2002).

Na variação das palavras, percebe-se a modificação em costumes e valores, indicando que a linguagem é promotora desse acontecimento exatamente porque não é uma inspiração do pensamento reflexivo e meramente subjetivo, todavia fornece elementos para fundar atitude frente ao mundo, no qual o ser humano está imerso (Gadamer, 2002; 2007).

REFERÊNCIAS

Bakhtin, M. (2010). Problemas da poética de Dostoiévski. Forense Universitária.

Bressolin, K. (2008). Gadamer e a reabilitação dos preconceitos. Intuito.

Darwin, C. (2002). Origem das espécies. Belo Horizonte: Editora Itatiaia.

Dickens, C. (2003) Um Conto de Natal. L&PM, São Paulo.

Gadamer, H. G. (2000) Verdade e Método. Rio de Janeiro: Vozes.

Gadamer, H. G. (2002). O problema da consciência histórica. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas.

Gadamer, H. G. (2004). “Homem e linguagem”. In: Verdade e método II: complementos e índice. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco. Ens. 11, p. 173-182.

Gadamer, H. G. (2007) Subjetividade e Intersubjetividade, sujeito e pessoa. In: Hermenêutica em Retrospectiva: vol II: a virada hermenêutica. Petrópolis: Vozes.

Gadamer, H.G. (1995) El inicio de la filosofía ocidental. Barcelona: Paidós.

Gould, S. J. (1999). A Falsa Medida do Homem. São Paulo: Martins Fontes.

Grondin, J. (1999) Introdução à Hermenêutica Filosófica. São Leopoldo: Ed. UNISINOS.

Lawn, C. (2007) Compreender Gadamer. Petrópolis, RJ: Vozes.

Pinker, S. (2008). Do Que é Feito o Pensamento. Cia da Letras-SP.

Vigotski, L. S. (2000). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.

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